A ameaça às coisas “de
toda la vida”...
Depois de alguns dias na capital espanhola, algumas novas
expressões, palavras e formas de se comunicar frente às necessidades da vida
cotidiana vão se apresentando e agregando valor ao vocabulário ainda limitado
do recém-chegado estrangeiro... eis que
entre um monte de coisas, sensações, descobertas, estranhamentos e
reconhecimentos surge uma expressão de certa forma simples e graciosa que do
nada me fez pensar... “de toda la vida”...
ao que parece esse é um recurso usado com bastante frequência pelos espanhóis...
... caminhando, conversando, escutando e percebendo os
detalhes das falas e discursos não dá pra ser omisso à carga pesada dada ao
momento da crise atual, parece que há anos não se sentia na pele de maneira tão
forte os efeitos de um “abalo sísmico econômico” nos elementos do dia-dia... e
aí quase que por um intertexto não apontado explode em mim o sentido das “cosas de toda la vida”, são os vizinhos
de toda la vida que não estão mais
nos barrios de toda la vida, são as
compras de toda la vida que não se
pode fazer como se fazia por toda la vida,
são os mercados e os locais dentro dos mercados de toda la vida que não estão mais lá... ahhh, os cinemas, teatros,
restaurantes, lugares e serviços de toda
la vida que não mais estão ali pra ajudar a contar às histórias de toda la vida...
... que triste perceber que esse movimento atual (chamem do
que quiserem chamar) ameaça de forma violenta e sintomática las cosas de toda la vida, não só na
Espanha, mas em todo mundo, vivemos um momento na reprodução da vida social que
já não temos as coisas de toda la vida,
a flexibilização da produção, os novos padrões e forma de consumo, a
precarização do trabalho, o recrudecimento de todas as ordens impostos à
maneira de se viver têm eliminado sem nenhum constrangimento as coisas de toda la vida... os bairros estão
devastados, as relações sociais rompidas... a casa não está mais lá, no lugar
dela prédios funcionais e frios, um conjunto deles... conjuntos fechados com
seguranças, guaritas, câmeras, fios, controles remotos, sensores remotos... a
vida não é mais como foi vivida por toda
la vida... que estranho esse mundo novo que pra mim está sendo construído
por um capital(ismo) em crise e cheio de perversidades ... estamos perdendo a
vida, por toda la vida!?!
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